Eu a conheci tarde de mais para realmente conhece-la. Eu não tenho coragem de perguntar. Eu não tenho direito de saber. Mas me lembro de Vinicius de Moraes dizer que um poeta só é bom se for triste... E eu via poema na casa toda, decorada de amor. O que seria daquela casa se não fosse aquela mulher?
O que você gostaria de ser quando crescer? Eu gostaria de continuar sendo aquela criança que um dia fui. Tentei arranca-la de mim. Ou apenas descobrir-me. Mas eu sempre fui aquela criança, eu nunca serei nada além disso, ainda que eu ganhe alguns centímetros a mais. Uma criança perdida de sua mãe.
Em uma tarde de domingo eu deixei de ir à igreja e fui na casa de alguém. Era um lar, que como qualquer outro lar tinha cheiro de recomeço. E ali naquele pequeno mundo, eu olhei para uma senhora que comportava outro mundo por trás de seus olhos. Eu via pela maneira como tinha os olhos serenos e caídos, e como abraçava sua irmã, que ela tinha viva dentro de si uma paz que não se encontra em templos.
Era Maktub. Não se indagava sobre nada, acreditava no tempo, sobrevivia apesar do tempo, nublado, frio, chuva, calor. Sob frágeis raízes de apego, ela tinha amor em seus atos, em seus olhos, até pela maneira de mexer no cabelo, ajeitar a blusa, desculpar-se pela bagunça.
Foi naquela tarde, e a cada tarde, quando a via, trocando poucas palavras, entrando e saindo, sequer capaz de expor um pensamento, eu me perguntava onde o mundo quer me levar. Pelas ruas da cidade vou para lá e para cá, selfies, reclamando direitos, ajudando alguém, incapaz de olhar para alguém, tentando, tentando, tentando... Fazer do próprio mundo um grande lar, mas falhando. Era como procurar Deus no lugar errado.
Por que o lar está no coração. Você não precisa ir além disso. Apenas pare e escute-o. Conserve seu coração puro e você saberá o que fazer. Era o que eu lia a cada dia. Parece que seus passos levam-te apenas onde está seu pensamento. Meu pensamento estava na minha criança cheia de indagações. E eu encontrei-a naquela casa, sentei, conversei com ela. Ainda mais cheia de indagações, era minha paz. Um dia, enfim, ter a força da sua paz.
Minha criança inocente, quebrada pela malicia, um dia queria ter maturidade para perdoar-se, deitar-se no fim do dia e dizer: Deu tudo certo. Como mais uma vez as coisas tinham que ser. Aqui está a vida, grande em sentimento, pequena em espaço e sem razão. Gratidão.