Detalhes

Eu estava preguiçosa, e ele, atento aos mínimos detalhes. Meu corpo paralisado deixava transparecer todo meu nervoso no pé direito que não parava de mexer. Ele deve ter mentido quando disse que não gostava de romances, pois ele me lia atentamente enquanto eu, só conseguia rir do jeito engraçado que ele fingia não se importar com meu comportamento tímido. 

Ele contou minhas pintas da mão e eu juro que fiz de tudo para não ficar me perguntando como conseguiu notar tudo aquilo. A primeira teoria eram seus óculos: era o adjeto que o fazia perfeito: "usar óculos". O que seria dele sem eles? Ter uma boa visão me assustava pelo fato de ver minhas imperfeições, mas não posso negar que o amava com aquelas simples armações. Ainda via perfeitamente o quanto seus olhos brilhavam e me iludiam ao imaginar que sua impressão era de apaixonado. 

Seus dedos se apoiaram em meus ombros e começaram a me dar cócegas mas eu já não sabia distinguir pelo que estava rindo. E eu gostava da sensação, dou risada até agora, só de lembrar. É aquela felicidade que marca a gente e é boa, que eu guardo em um espaço especial para quando precisar. É uma pena nem todo mundo conseguir me fazer rir assim, sem doer minha barriga (por que eu não gosto da sensação), e sem que eu esqueça os motivos de tanto riso. Até porque eu enrolo demais pra dizer que sei bem o motivo (ele). E deixar ser tão único é o que o torna tão especial (para mim).

Ele me fez ouvir jazz contemporâneo de uma forma que transportei minha mente para os anos 70, em uma trama romântica qualquer, apesar de saber bem que a palavra "contemporâneo" estraga toda a graça do meu filme. Me constrangi quando acabou e paralisada balbuciei: legal. Mas não, até a música parar, enquanto ele se dava por entendido e culto, apenas me sentia uma boba risonha que agora estava ocupada demais sentindo vontade de deitar a cabeça em seu ombro. E fechar os olhos e fingir que estava sonhando. Mas não era um sonho. E ainda bem que não era. Eu só podia desejar que aquilo durasse, mas sonhos muitos longos sempre se transformam em pesadelos.

E seu perfume não me deu dor de cabeça. Aliás, foi a primeira noite na semana que fui dormir sem dor de cabeça. E eu gostei da cor daquela camisa. Azul sempre me transmite paz. Só acho que a ponta de seu sapato o deixava um pouco metido. E ser metido não fazia seu estilo. Nem um pouquinho. Mas nessa altura que diferença faz? Precisava citar seu jeito inquieto? Que me deixava um pouco inquieta também? Seu perfume não me meu dor de cabeça, pedir que fosse mais tranquilo não é exigir demais?

É sim. E sou bastante exigente.

Por isso, nesse momento, eu quero ele.

E finalmente, com aquela cara que só ele consegue fazer em despedidas, me beijou o rosto e minha cabeça caiu, em seu ombro, olhos fechados, corações calados. Sua altura me era confortável, como feita simetricamente para que minha cabeça se aconchegasse ali, aonde tanto procurava, por tanto tempo, um simbólico refúgio. Seu ombro era o lugar perfeito para se despedir: sentir o perfume, calar a voz e se concentrar no tênue momento, o detalhe mais bonito, agora findava tantas sensações. Lacrando tal lembrança, que agora se eterniza, pelo tempo que lhe for viável lembrar... Tantos detalhes.